Se contabilizarmos as horas que nossas crianças passam estudando verificaremos que elas têm muito mais contato com os livros do que com os jogos. Por que, então, essa inclinação quase morbida aos jogos e não aos estudos? Neste artigo respondemos o porquê isso acontece e como educar melhor seus filhos com 3 passos simples.
Hoje em dia é bem comum verificarmos a facilidade que as crianças aprendem a usar jogos eletrônicos e como elas criam invariavelmente o hábito de jogar, dedicando horas a fio a esse tipo de empreendimento, sem que ninguém precise estimulá-las para isso.
Da mesma forma que as crianças têm a facilidade de passar horas se dedicando aos jogos, se observarmos, as mesmas crianças não têm a mesma facilidade para se dedicar aos estudos.
Apesar desse fato, se contabilizarmos a quantidade de horas que nossas crianças se dedicam aos estudos em casa, nas escolas e nas aulas particulares, provavelmente veremos que em termos de horas dedicadas a cada tipo de atividade, as horas de estudos são bem maiores que as horas de “jogatina”.
E por que nossas crianças são viciadas em videogames e não em estudar? E o mais preocupante, apesar de várias horas dedicadas aos estudos, por que nossas crianças não aprendem ou têm dificuldade de aprendizado?
Para ilustrar as dificuldades que mais ouvi durante toda minha experiência como professor ou orientando pais, segue em síntese dois relatos que são bem comuns neste sentido:
“Meu filho já tem seis anos e não lê nada ainda. É normal isso? O que ele deveria estar sabendo? Ele não acompanha a “turminha” da escola. A professora disse que ele está com dificuldade”.
“Meus alunos têm dez anos e não entendem o que leem. Vão mal até nas provas de matemática, quando é necessário ler enunciados sempre `chutam´ a resposta na resolução do exercício, não sabem interpretar enunciados simples.”
Relatos como estes são constantes e refletem problemas pedagógicos comuns em famílias e escolas.
Se você é um professor(a), pai ou mãe e, de alguma forma, está preocupado com essas questões, você vai ver neste artigo 3 dicas que vão te guiar no ensino dos seus filhos ou alunos.
Então, vamos às dicas que te ajudarão a identificar o problema, remediar as causas e criar um plano de ação para solucionar seus males.
1. “Você tem que saber O QUE deve ser ensinado”.
Não quero transformar os pais em especialistas em educação infantil. Mas quero mostrar que as coisas são mais simples do que imaginam. As dificuldades que seus filhos passam são, em geral, as que a maioria das crianças passam.
É como querer ter um carro para dirigir. Você não precisa ser um mecânico especializado da concessionária para poder ter um carro.
Mas deve fazer suas manutenções. Entender que para ele funcionar precisa de combustível, trocar pneus e óleo. Deve entender o mínimo das funções básicas como a maioria dos carros funcionam para não ficar a pé na rua. Simples assim.
Com a educação das crianças é similar. Você deve fazer a manutenção básica, ficar de olho em alguns detalhes, etc. Se você investe e se preocupa com o “básico” da manutenção do seu carro, acredito que deva se preocupar o mesmo tanto ou, é claro, muito mais com a educação do seu filho.
Isso serve para a primeira dica. Quando você leva o seu carro para um mecânico, você se preocupa com o que ele irá trocar. Que marca de autopeça irá usar, se é o óleo adequado para o motor, ou se é o fluído adequado para o radiador.
Das duas, uma!
Ou você sabe disso ou confia bastante em seu mecânico. Algo acontece no mesmo sentido em educação de crianças. Ou você sabe o que está sendo ensinado ao seu filho ou confia bastante em seus professores.
Um dia, um amigo, me perguntou o que deveria considerar na escolha de uma escola para o seu filho. Disse a ele o que escrevi acima. Faça como se fosse ao mecânico ou à concessionária levar o seu carro.
“Fiz as manutenções há um ano atrás, o que irão fazer com o meu carro enquanto ele ficar aqui? O que vai acontecer com ele? Por que irão trocar essa peça ou aquela peça? Quando fizerem isso, não vou me preocupar com aquilo?” E por aí vai.
Não quero, é óbvio, ficar comparando o seu filho ou o seu aluno com um carro. Quero mostrar que, com certeza, e já vi muito isso, existem muitos pais muito mais preocupados com os seus carros do que com a educação de seus filhos.
Enfim, disse a ele para pedir para conversar com o professor titular do seu filho, aquele em que seu filho iria passar duzentos dias do ano. A primeira pergunta era a seguinte: Qual é o conteúdo e o que este conteúdo irá mudar em meu filho?
Você deve saber isso, pois é o conteúdo que seu filho ou seus alunos irão consumir em um ano letivo. É muito conteúdo. São duzentos dias letivos, ou seja, oitocentas horas em apenas um ano.
Aposto que você vê os jogos de videogame como, no mínimo, pouco produtivo para seus filhos, mas eles não passam ou não deveriam passar oitocentas horas jogando sem você saber os benefícios ou malefícios que essa atividade irá causar.
Da mesma forma, você deve saber como essas horas de estudos na escola irão introduzir várias dessas competências que mudarão o jeito como o seu filho pensa, age e compreende as coisas e a realidade.
Em escolas e em quase tudo na vida, tudo o que qualquer criança se dedica, vê, experimenta várias horas por dia, vários dias por semana, meses e anos, modificam não só o que ela possui de informação, mas também altera o seu modo de ser.
Por exemplo, os primeiros passos de uma criança numa escola é aprender a ler e escrever, mas para alguém aprender a ler e escrever deve haver um preparo comportamental, ou seja, para ensinar alguém a ler dentro ou fora de uma sala de aula é necessário o aluno dominar algumas competências cognitivas e essas competências só terão êxito quando integradas à uma série de comportamentos como rotinas, atenção, paciência, motivação, etc.
Existe todo um aparato comportamental para se atingir os objetivos de um método. Em qualquer conteúdo de um método pedagógico existe antes uma teoria filosófica e científica velada que dá bases às práticas desse método. Dê atenção a isso.
2. Saber como e quais são as METAS E AVALIAÇÕES para averiguar se o ensino foi rentável ou produtivo.
Caso você seja apenas um suporte do aprendizado do seu filho, pergunte para o professor dele o que ele deve aprender até o fim do ano letivo. Espere respostas objetivas para essa pergunta. Se começarem com “enrolações ou romances pedagógicos” pule fora daí.
Cansei de ouvir isso aqui também: “Temos que ver que cada criança é uma criança”. “São todos diferentes”. “Prezamos pelo bem social e emocional de nossas crianças”. “Ele irá aprender a respeitar o próximo”. “Cada criança tem o seu tempo” ... e por aí vai...
Esses romances pedagógicos estão errados? Não. Mas isso é o mínimo que um adulto deve ensinar aos seus alunos. E, no geral, quando começam com esses jargões já desconfie que não sabem o que estão fazendo com o seu filho.
Espere algo mais objetivo, por exemplo, se importe com o currículo que ele vai seguir, isto é, quais são as competências que ele deve aprender no primeiro mês, no segundo mês, assim por diante.
Um bom professor deve ter essas metas em seu planejamento anual. Deve ter em mãos o currículo que seu filho vai seguir. Com isso você sabe o que cobrar dele, pois em um currículo bem programado deve haver o conteúdo e a previsão de AVALIAÇÕES dos conteúdos do ano.
O normal de uma boa escola é definir tudo isso no começo do ano, antes mesmo de começar as aulas. Idealmente isto é feito em reuniões com os professores e a coordenação pedagógica onde decidem tudo isso.
É comum ouvirmos dos pais: “Não sei o que fazer, pois não sei o que meu filho deveria saber agora”.
Na verdade, você não sabe o que ele deveria saber no mês que vem, no fim do bimestre, no fim do ano letivo, mas vendo os testes ou tendo noção do que irá cair nesses testes que seu filho ou seu aluno irá participar saberá o que cobrar dele.
É como pedir para a coordenação da escola um edital de prova de vestibular ou concurso público. O vestibular é no final do ano. O que você deveria estudar até lá? Qual a nota suficiente para passar ou reprovar no vestibular? Com isso, você tira sua frustração, sua ansiedade e suas incertezas. Tudo em casa fica melhor, pois está cumprindo ou está correndo atrás de cumprir seus objetivos. Você tem mais controle da situação.
3. Como ensinar tudo isso, ou seja, uma DIDÁTICA para ajudar o alcance das metas e resultados.
O jeito e o “como” você ensina vai ditar se sua aula ou seu ensino é tedioso ou enfadonho. Os adultos conseguem assistir uma aula chata de quatro horas ou até mais dependendo se o conteúdo é de seu interesse ou não.
Não sei quantos dias os adultos conseguem assistir a aulas entediantes hoje em dia, mas com bastante esforço acredito que conseguem. Porém, o modo como se ensina se tratando de crianças e até de adolescentes interfere muito na absorção do conhecimento.
Faça só uma comparação, injusta, é claro, entre como você ensina qualquer coisa em casa ou em sala de aula com os novos jogos de computador, consoles, celulares, ou seja, compare o seu modo de ensinar com o que mais vicia as crianças e jovens atualmente.
Por que essa comparação? Porque os criadores dos games para crianças entendem muito bem em como ensinar algo às crianças. Seus filhos não nasceram sabendo jogar “FIFA”. Os criadores de games entendem muito bem sobre o que é ensinar algo e que esse algo seja executado em horas de atenção. Olhem as pesquisas de quantas horas as crianças ficam em frente das telas¹.
Por mais que a comparação seja injusta, eu confesso que esses games me deram um pouco de inveja. Por mais que tenho consciência da comparação injusta e da inveja, essas características que os games possuem são similares com o que nós professores ou pais tentamos usar em nossos ensinamentos: motivação para fazer o que pedimos e atenção quando pedimos algo.
Mas para sermos honestos, sabemos que nos games toda progressão de fases, tarefas, missões, toda motivação de tentarmos alcançar o objetivo, todas as atenções são trabalhadas com meios visuais rebuscados, com histórias emocionantes embutidas, com sistemas de progressão de dificuldade, experiências do usuário perfeita (facilidade de entrar, manusear e interagir com os menus dos jogos), personagens cada vez mais interativos, as cenas cada vez mais trabalhadas, eu ficaria aqui citando dezenas de características que esses jogos têm só para manter as crianças conectadas como nós professores e pais queríamos que eles fizessem ao estudar.
A questão é que nada que está nos jogos pode ser chato e enfadonho. Os criadores de games já entenderam isso.
Como disse, é uma comparação injusta. Não quero que você seja um personagem do “Minecraft” ou do “Free Fire” ou de algum jogo só para ensinar seu filho 2+2. É impossível ter todas aquelas características em um professor e em um material didático.
E o mais importante, não queremos transformar uma aula ou qualquer ensinamento em realidade virtual para ser mais legal para as criancinhas. Transformar todo aprendizado num jogo de “Counter-strike” não é a solução e é até prejudicial em vários aspectos². Mas, aprendi algo com os jogos, aprendi com esses desenvolvedores o que funciona no mundo real muito bem.
Aprendi que existem características veladas nos games que ajudam bastante. Não é o extraordinário visual e nem o efeito sonoro que treme a parede da casa. São detalhes simples. Por exemplo, o acerto. O modo como acertam. Não irão colocar você para aniquilar o chefão na primeira fase. Vão colocar você para treinar antes. Treinar com uma pequena dificuldade, mas o suficiente para adquirir determinadas habilidades para usar ao enfrentar o chefão logo em seguida? Não. Para subir de nível e ir adquirindo mais e mais habilidades. Habilidades que usará na próxima etapa e assim por diante. Nada que você não precise usar, nada em vão.
Isso em sala de aula é muito importante. Os alunos perceberem que o que aprenderam hoje serve para amanhã e depois, se não servirem, não serve para nada. Os aprendizes percebem a falta de organização em suas matérias e conteúdo. Mesmo os pequeninos. Se aprendem algo hoje e não há “feedbacks”, não há continuação e não deu tempo para absorverem aquilo, percebem o erro. Se sentem frustrados. Até pedem para você ensinar mais sobre determinado tema, ensinar o que tentaram aprender. No fundo eles querem aprender.
Por exemplo, quando começamos em um jogo qualquer de “combate” onde há soldados: Uma criança quando começa a jogar ela não aprende a caminhar com seu “avatar” primeiro, para depois aprender a pular, atirar, etc. A didática de um jogo é extremamente simultânea e articulada. Uma criança aprende a fazer tudo isso ao mesmo tempo. Só dar play e está num campo de batalha com “tutoriais” ao mesmo tempo em que aprende a “aniquilar” seus inimigos e sobreviver. Em poucos minutos seu filho já domina o básico de um game. Já é autossuficiente em horas de jogo.
O que quero dizer com isso? A didática em educação infantil deve seguir a mesma característica. Ser simultânea e articulada. Como? O ensino não deve ser puramente blocado. O material didático que seu filho entrará em contato deve ter essa característica. A articulação entre competências necessárias ajuda na motivação do aluno.
Não se tem resultados ao ensinar uma competência de cada vez. As melhores competências devem se ajudar ao mesmo tempo que criam um caminho progressivo de aprendizado. No mesmo instante que se cria uma pirâmide de ensino em que cada degrau ajuda o aluno a chegar no próximo, e estes mesmos devem-se ajudar mutuamente. Igual a didática do vídeo game.
Tente jogar um jogo de corrida desses atuais. Ao mesmo tempo em que você é ensinado a acelerar, trocar a marcha, frear, você corre numa pista com outros carros não tão competitivos no começo para você vencer. Os criadores de jogos sabem disso. No geral, não separam o ensino de um jogo do próprio jogo. Ao mesmo tempo você aprende e joga. A conexão dos games entre aprendizado, jogo e vitória é excelente.
Como perceber isso no material didático? Uma competência deve ter um objetivo claro de estar ali. O objetivo pode ser evoluir para alcançar determinada meta. Por exemplo, por que se deve trabalhar a competência da criança em diferenciar círculos e quadrados na escola primária? Porque mais adiante ela começará a diferenciar desenhos mais complexos. Em seguida, diferenciar formas mais complexas, e em seguida, diferenciar letras.
Também não se ensina isso ou o que chamamos de discriminação visual nos primeiros meses de escola até ela diferenciar letras para depois começar outra competência. Não. É articulado com outras e outras competências. E, dentro delas, existe uma progressão de aprendizado. Todas confluem num objetivo final que é aprender a ler. Isso é um exemplo de atividades de alfabetização. Para todos os conteúdos você deve ter isso.
Resumindo, os “videogames” viciam muito mais que os estudos porque eles foram construídos por especialistas em didática e na psicologia humana, eles têm muito claro o que querem transmitir, como transmitir e para quem estão transmitindo. Além de que já passaram por muitos anos avaliando e aprimorando aquilo que funcionou para estimular seus usuários.
Então, você deve levar em consideração os 3 pontos que elencamos neste artigo para estimular as crianças para o aprendizado:
Conteúdo com objetivos e metas claras;
Avaliações periódicas dessas metas e objetivos;
Didática clara que utilize habilidades e competência que se articulem mutuamente com o foco nos objetivos traçados anteriormente.
Se você conseguir responder estas perguntas: “o que as crianças irão aprender?”, “como serão avaliadas?” e “como vou ensinar isso para que tenham bons resultados?”, você está diante de um método infalível na arte de educar, igual aos “games” na arte de viciar.
Foi levando isto em conta que criamos um Método com esses 3 pontos muito bem definidos, com habilidades e competências estruturadas e articuladas entre si, levando em conta todos esses aspectos da educação infantil. Para entender como funciona tudo isso na prática, clique aqui e assista a uma apresentação gratuita onde explicamos como organizamos tudo isso para pais e professores conseguirem ensinar seus filhos ou alunos de forma simples e eficiente.
Até o próximo artigo.
Referências
1. Morrison, Cassidy. Child screen time has shot up 50% since 2020 with average youngster spending four hours a day on gadgets.DailyMail uk, nov 2020.
2. Leiam o livro “A fábrica de cretinos digitais” de Michel Desmurget.
Excelente! Não tinha idéia de como avaliar o aprendizado dos meus filhos.