O reconhecimento da escrita e a compreensão da linguagem são os dois lados de um mesmo caminho que as crianças precisam percorrer no processo de alfabetização. Neste caminho existem várias etapas, habilidades e competências a serem desenvolvidas. Aqui você vai conhecer todas essas etapas rumo a leitura.
Uma boa compreensão do processo de alfabetização requer o entendimento de dois conjuntos amplos de habilidades: reconhecimento da escrita e compreensão da linguagem. Cada um desses elementos inclui um conjunto de habilidades e de competências específicas.
O reconhecimento da escrita:
- Consciência Fonológica e Fonêmica;
- Instrução fônica e habilidades de decodificação;
- Reconhecimento automático de palavras e letras;
- Capacidade de ler palavras foneticamente irregulares.
A compreensão da linguagem:
- Aquisição de Vocabulário;
- Conhecimento da linguagem oral;
- Compreensão da sintática (saber refletir sobre a estrutura das frases);
- Compreender figuras de linguagem como metáforas, símile, analogias, metonímia etc.
O reconhecimento da escrita e a compreensão da linguagem não são igualmente importantes em todas as fases do desenvolvimento da leitura. Para leitores em desenvolvimento, as habilidades de reconhecimento da escrita tendem a ser especialmente importantes nos estágios iniciais da leitura, quando as crianças estão aprendendo os fonemas (sons das letras) e desenvolvendo a capacidade de ler palavras mais fáceis, com padrões similares de sílabas e sons.
As habilidades desenvolvidas para o reconhecimento da escrita tendem a estabelecer um limite para a compreensão da leitura nessas etapas iniciais, porque mesmo que as crianças tenham fortes habilidades de compreensão da linguagem oral, essas habilidades não podem entrar em jogo enquanto leem, antes de serem capazes de automatizar o processo de reconhecimento de palavras e, por conseguinte, o processo de leitura.
Uma vez que as crianças se tornam proficientes na decodificação de palavras, seu crescimento adicional como leitores tende a girar mais em torno da compreensão da língua do que da decodificação. Para leitores em desenvolvimento, essa mudança geralmente ocorre em torno dos 5 ou 6 anos de idade, é quando essas crianças desenvolvem o reconhecimento relativamente automático de palavras.
Dito de outro modo, as crianças só conseguem realmente compreender o que leem quando elas conseguem automatizar a decodificação das palavras, neste ponto sua atenção está no significado do que estão lendo e não mais em reconhecer o que está escrito.
Portanto, é neste período que as crianças podem começar a focar mais sua atenção no significado dos textos quando estão lendo. É aqui que elas começam a usar a leitura como uma ferramenta para aprender outros conteúdos. É exatamente neste momento que a decodificação se torna mais eficiente para elementos superiores do processo de leitura, e não mais para se desenvolver na própria técnica exigida para ler, embora, em grande parte dos casos, e com um grande número de criança, ainda há crescimento nas habilidades de leitura a partir desse ponto.
Jeanne Chall¹, referiu-se a esta etapa do desenvolvimento da leitura como “aprender a ler, para depois ler para aprender”. Com certeza, existem muitas crianças que ainda nessa fase continuarão com dificuldades na automatização da leitura e precisarão de um maior empenho além desse período para dominarem a leitura autônoma.
Alguns especialistas² em alfabetização identificaram as etapas do desenvolvimento da leitura. Para facilitar vamos ver essas etapas separadas por períodos escolares e por idade, assim como as características e habilidades dos estágios do desenvolvimento da leitura em cada uma delas.
Educação infantil e início da Pré-escola (0 – 4 anos)
Nesta fase, muitas crianças não compreendem o princípio alfabético e não entendem que as palavras precisam ser “decodificadas” a partir do reconhecimento dos sons das letras e dos padrões que as letras simbolizam.
Por exemplo, uma criança de 3 anos pode reconhecer a palavra "pare" em um sinal de trânsito por causa da forma da placa na rua, mas não reconheceria a mesma palavra fora deste contexto. Alguns teóricos da leitura chamam esta fase de pré-alfabética. Muitas crianças que estão na educação infantil e no início da pré-escola são capazes de reconhecerem as letras dos seus nomes e entenderem conceitos importantes, como identificar frente e verso dos livros, saber as orientações básicas como em cima, embaixo etc.
Nesta fase as crianças têm um nível rudimentar de consciência fonológica, elas começam a perceber que nossa fala pode ser manipulada, e conseguimos segmentar o que falamos em partes. É aqui o momento mais propício para ensinar os sons das letras e brincar com as palavras utilizando rimas, aliterações, poemas etc. É uma fase muito fértil e é muito fácil engajar as crianças no desenvolvimento de atividades voltadas para as habilidades e competências de consciência fonológica.
Final da pré-escola (Entre 5 e 6 anos)
No final da pré-escola, as crianças são capazes de reconhecer todas ou quase todas as letras, se bem instruídas, elas serão capazes de nomear e dizer quais os "sons das letras". Se elas forem, particularmente, ensinadas a partir de um bom currículo, poderão decodificar satisfatoriamente palavras simples, principalmente as formadas por sílabas canônicas (consoantes-vogais), por exemplo, pato, mato, gato, etc. Especialmente se essas habilidades de reconhecimento dos sons das letras e decodificação forem ensinadas explicitamente.
No entanto, mesmo quando elas recebem instrução explícita de decodificação, as crianças nesta fase de desenvolvimento carecem de conhecimento de sons para todos os padrões de escrita. Elas podem confundir palavras com ortografia semelhantes, com encontros consonantais, com sílabas mais complexas etc.
Muitas vezes, elas começam a decodificar e ao achar um padrão de escrita tentam “adivinhar”, em vez de olhar cuidadosamente para todas as letras da palavra e decodificar cada uma delas. Alguns especialistas referem-se a esta etapa da leitura de palavras como alfabética parcial.
As características dessa etapa são refletidas na ortografia das crianças. Pois é bem neste momento que ocorre a transição da etapa fonológica para a etapa ortográfica, sendo assim, erros de ortografia podem envolver omissões ou sequenciamento incorreto na grafia das palavras. Isto ocorre por causa de algumas limitações na decodificação, ao passo que as crianças aumentam a velocidade e a automatização da decodificação esses problemas vão sendo resolvidos.
Além disso, nesta fase a compreensão da língua oral excede muito a de leitura; as crianças nesta etapa podem compreender textos muito mais sofisticados na escuta do que na leitura, devido às suas habilidades limitadas de reconhecimento de palavras.
Início do ensino fundamental I (Entre 6 e 7 anos)
Os leitores em desenvolvimento, no início do ensino fundamental I, podem decodificar uma ampla variedade de palavras desconhecidas, principalmente as foneticamente regulares, incluindo também palavras com padrões e sílabas complexas.
Embora neste estágio, as crianças reconheçam algumas palavras comuns automaticamente, elas ainda precisam aplicar suas habilidades de decodificação a muitas palavras, especialmente palavras menos comuns. É aqui o momento de treinar sílabas complexas, fonemas que têm mais de um som, iniciar a regras ortográficas, encontro consonantais, enfim, aumentar a acurácia na decodificação de padrões mais complexos da leitura.
Alguns especialistas em leitura referem-se a esta fase como alfabética completa, porque as crianças normalmente assimilam todas as correspondências entre grafemas (letras) e fonemas (sons) das palavras. Neste estágio, os erros de ortografia das crianças tornam-se mais reconhecíveis, pois elas conseguem representar todos os sons pretendidos, mas nem sempre na ortografia correta.
No início do ensino fundamental I, as crianças têm habilidades cada vez mais precisas para decodificar palavras desconhecidas e, normalmente, extinguem aquele problema de tentar “adivinhar” as palavras no processo de leitura. Não obstante, a compreensão da língua oral ainda excede muito sua compreensão de leitura neste estágio. Ou seja, elas entendem muito mais quando alguém faz a leitura do que quando elas mesmas leem.
Ensino fundamental I (8 anos em diante)
As crianças têm uma capacidade crescente de decodificar palavras longas e desconhecidas, incluindo palavras com sílabas complexas, com várias consoantes, com consoantes nasais etc. Nesta etapa é comum as crianças conseguirem ler qualquer palavra, especialmente aquelas que estão em seu vocabulário e até aquelas que elas nunca tiveram contato, elas decodificam mesmo não conhecendo o significado.
Os leitores em desenvolvimento, nesta fase consolidam padrões comuns da escrita, como aqueles associados a prefixos, sufixos e outras partes de palavras, para tornar a leitura de palavras mais rápida e mais automática. Os especialistas em leitura referem-se a esta fase do reconhecimento da escrita como alfabético consolidado. Esta fase tende a ser caracterizada por um rápido desenvolvimento da leitura fluente de texto.
Nesta fase é comum as crianças ficarem sedentas pela leitura e começarem a ler tudo o que estiver pela frente, desde rótulos de produtos, bula de remédios, livros como um todo etc. O aumento do conhecimento das crianças sobre padrões de escritas comuns também se reflete em sua melhora na ortografia das palavras.
Final do ensino fundamental I (Entre 10 e 11 anos)
No final do ensino fundamental I, os leitores já se desenvolveram e passaram a dominar em grande parte as habilidades de decodificação de palavras, incluindo as habilidades para decodificar a maioria das palavras incomuns ao seu vocabulário.
Os leitores podem decodificar a maioria das palavras desconhecidas rapidamente e também reconhecer facilmente as palavras mais comuns, estas eles reconhecem automaticamente. Assim, sua fluência em leitura (ou seja, sua capacidade de ler texto com velocidade e precisão) é geralmente bem estabelecida nesta etapa, pelo menos em textos apropriados para a idade.
Nesta fase as exigências de compreensão e vocabulário dos textos usados devem aumentar substancialmente. O vocabulário e o conhecimento da morfologia das palavras tornam-se especialmente importantes para a compreensão da leitura e também para a ortografia.
Por exemplo, se as crianças sabem o significado de morfemas comuns, como “bio”, que significa vida, “logia” significa estudo ou “geo” significa terra, elas podem usar esse conhecimento para ajudar a inferir os significados de uma variedade de palavras semanticamente relacionadas, como biologia, biosfera, biólogo, biomassa, geologia, geólogo, geológico e assim por diante. Além disso, a ortografia de morfemas é geralmente estável em uma variedade de palavras, por isso, se as crianças conseguem assimilar morfemas comuns de escrita, esse conhecimento irá melhorar sua ortografia, bem como seu desenvolvimento de vocabulário.
Nesta fase, as crianças cada vez mais usam estratégias para ajudar a compreensão da leitura. Essas estratégias incluem resumir, questionar e inferir, juntamente com estratégias de autocorreção para quando a compreensão falha, como reler ou procurar uma palavra no dicionário.
As crianças também aprendem a variar sua abordagem à leitura dependendo da finalidade (por exemplo, estudar para um teste versus ler por prazer). Elas começam a ler com mais cuidado se o assunto do texto não for familiar ou se tiver alguma dificuldade com o tema.
Os leitores nesta etapa também são sensíveis às diferenças na estrutura do texto, reconhecendo se os mesmos são de ficção ou não ficção, se são organizados de forma diferente, se eles podem usar seus conhecimentos sobre a estrutura de texto para ajudar a compreensão. Por exemplo, em um texto informativo, a ideia-chave de um parágrafo é muitas vezes contida na primeira ou última frase; e cabeçalhos e subtítulos podem destacar ideias importantes.
Como nessa fase, geralmente, já são leitores e decodificadores qualificados, eles podem dedicar mais de seus recursos mentais à compreensão. A distância entre a compreensão da escrita e da linguagem oral começa a estreitar-se. As limitações à compreensão da escrita começam a girar mais em torno de limitações na compreensão da língua oral, vocabulário e conhecimento de expressões e termos mais específicos, do que em torno da leitura de palavras.
A partir desse ponto a leitura pode ser usada como ferramenta em uma ampla variedade de conteúdos, as estratégias para aumentar a velocidade de leitura ainda continuam a evoluir, porém, neste estágio, os leitores estão desenvolvendo suas habilidades de compreensão de ordens mais superiores de leitura, ou seja, como a integração de informações de várias fontes, comparando argumentos de vários textos sobre um mesmo tema, apreciando os diferentes estilos literários em diferentes autores etc. Esta fase da leitura, Mortimer Adler³, chama de sintópica. Ou seja, é quando o leitor, a partir da análise de argumentos extraídos de vários textos diferentes, consegue formar um juízo e articulá-los diferentemente do que aprendeu em suas leituras.
Mesmo nessa fase dos níveis superiores da leitura a língua oral continua sendo importante para o aprendizado, especialmente para estudantes que têm problemas de leitura. Dominar o vocabulário de determinadas áreas do conhecimento facilita a compreensão textual, e isto só ocorre depois que a criança já domina a técnica da leitura, assim como, é nessa fase que a compreensão da língua oral se equilibra com a compreensão da língua escrita, tendo muitos casos que a compreensão da língua escrita ultrapassa a compreensão da língua oral.
Aqui a qualidade da leitura vai ditar as diferenças no volume de textos lidos, quanto mais eficiente for a leitura neste período, mais independente e proativo vai ser a criança, contribuindo para o seu crescimento em leitura e nas suas habilidades linguísticas, essa diferença na qualidade amplia ainda mais a lacuna de desempenho entre bons leitores e leitores medianos. É para evitar essa lacuna uma das razões pelas quais a intervenção precoce para o desenvolvimento da leitura é tão importante.
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Até o próximo artigo.
Referências
1. Chall, J. (1983). Stages of reading development. New York: McGraw-Hill.
2. Ehri, L. C. (1991). Learning to read and spell words. In L. Rieben & C. A. Perfetti (Eds.), Learning to read: Basic research and its implications (pp. 57-73). Mahwah, NJ: Erlbaum.
2. Ehri, L. C. (2005). Learning to read words: Theory, findings, and issues. Scientific Studies of Reading, 9, 167-188.
3. ADLER, Mortimer J.; DOREN, Charles Van. Como ler livros: o guia clássico para a leitura inteligente. Tradução de Edward H. Wolff e Pedro Sette-Câmara. São Paulo: É Realizações, 2010.