A alfabetização de crianças pequenas pode ser um tema polêmico. Porém, o mais importante nesse período é a forma de fazer, pois dependendo de como você ensina uma criança pequena pode refletir não só no seu aprendizado, mas na sua estima ou no seu desprezo pelos estudos.
A dúvida de como começar a alfabetizar crianças pequenas é muito comum e, às vezes, até polêmica, pois algumas linhas pedagógicas defendem uma certa idade para começar a aplicar atividades explícitas de alfabetização. No entanto, o que posso afirmar é que não só é possível começar a alfabetizar crianças bem pequenas, mais do que isso, é necessário.
Entretanto, a questão mais importante não é quando começar e sim como começar. Existem, sim, práticas pedagógicas mais eficientes, associadas a competências e habilidades que você deve desenvolver com as crianças para que elas tenham maior desempenho em leitura e escrita.
Para ilustrar a importância de que a forma que você trabalha com crianças pequenas é de suma importância, vou começar este artigo com uma pequena história de quando eu ainda estava no primário.
No pequeno colégio onde estudei o ensino fundamental, nos anos 1990, havia um costume tanto da direção quanto por parte de alguns professores, que era o de tratar o aprendizado como se fosse um “castigo”.
Pelo menos foi essa a impressão que eu tive na infância. Por que tive essa impressão? Quando cometia alguma infração disciplinar ou errava muito alguma regra gramatical, independente da gravidade, eu era “presenteado” com um caderninho de capa azul, daqueles distribuídos pelo Governo do Estado, para escrever exaustivamente o erro que havia cometido e a sua resolução.
Por exemplo, se eu ficasse no pátio após o intervalo e chegasse atrasado na sala, já era motivo de ir para a direção e logo recebia o famigerado caderninho para completar 30 páginas com a frase: “Devo respeitar as regras disciplinares”. Ou mesmo, quando errava muitas vezes a grafia de uma palavra, trocando o M pelo N, também era motivo de receber o caderno azul para escrever 10 páginas com a frase milagrosa: “Antes de P e B se usa a letra M” e por aí vai.
E por que estou contando essa história de décadas atrás? Para dizer que a instrução pode, ou melhor, deve começar bem cedo, mas a forma que você ensina uma criança vai deixar impressões e influenciá-la pelo resto da vida. Sendo assim, o “como” fazer é essencial para você colher bons frutos do ensino de crianças pequenas.
Arrisco a dizer que a maneira que você ensina uma criança vai influenciar o seu gosto ou a sua preferência pelos estudos. Se você influenciar positivamente, com toda a certeza, ela terá maior desempenho e, consequentemente, maior vontade e satisfação em estudar.
Esse período é crítico, pois é na primeira infância que quase 90% das vias neurais, ou conexões cerebrais, são estabelecidas. Por volta dos 6 anos seu cérebro já está praticamente formado, e é neste período que as crianças têm oportunidades abundantes de interagir com a linguagem. Quando isto é feito de maneira adequada, as crianças terão mais propensão em se tornarem leitores habilidosos e fluentes. Por que isso ocorre? Porque essas experiências com a linguagem permitem que as crianças desenvolvam as conexões cerebrais necessárias para o desenvolvimento das habilidades e competência da alfabetização. ¹
Então, sabendo da importância do desenvolvimento da linguagem para a formação de crianças pequenas, vou elencar neste artigo, 3 tipos de atividades que você pode aplicar com elas para ajudá-las na alfabetização, considerando este período tão importante da sua formação.
1. Leitura partilhada.
Já foi demonstrado que os benefícios para o desenvolvimento da linguagem de crianças que têm contato com a leitura partilhada começam às seis semanas de vida. ² E, além disso, as crianças que seus familiares leem para elas em casa e que frequentam bibliotecas adquirem mais vocabulário. Sendo assim, para você auxiliar seus filhos pequenos na aquisição dessa habilidade importante para a alfabetização é só seguir as estratégias descritas abaixo ao fazer a leitura partilhada:
1. Descrições simples: Peça para a criança descrever uma personagem, um animal, um objeto ou algum local. Exemplo, “Olhe o gato de botas, eu vejo que ele tem pelos e quatro patas. O que mais você reparou que ele tem?”
2. Descrições mais detalhadas: Explique, resuma ou elabore em cima do enredo. Exemplo, “Você viu a chapeuzinho, ela estava observando as flores enquanto caminhava. Com certeza está explorando todos os detalhes do bosque.”
3. Relacione a história com a experiência real: Faça perguntas ou comentários que ajude a criança a fazer conexões entre o texto e sua experiência. Exemplo, “O que mais você sabe sobre a vida dos porquinhos, você lembra de ter visto algum?"
4. Previsões e inferências: Pergunte para a criança o que vai acontecer na história ou faça perguntas sobre as personagens, como elas são, o que estão sentindo, por que agiram daquela forma etc. Exemplo: “Por que você acha que a chapeuzinho estava feliz no caminho do bosque?”
5. Características da estrutura do livro: Mostre as partes das quais o livro é composto ou como ocorre o progresso da leitura. Exemplo, mostre a capa, a contracapa, vire as páginas, mostre o título, o autor, a lombada etc.
6. Relacione as letras com seus sons: Aproveite para ensinar o som de algumas letras. Exemplo, mostre alguma vogal no título da obra e faça a onomatopeia do som. Esta é a letra /A/, igual quando espirramos e fazemos “aaaactchim”.
7. Memorizar e recontar a história: Após a leitura peça para a criança recontar a história no início, meio ou fim. Exemplo, “Nossa, que história legal, você lembra o que aconteceu no início?”
2. Diálogos livres.
A exposição das crianças ao mundo externo, que não seja seu ambiente de costume, permite um rico desenvolvimento e ampliação do seu vocabulário, fortalecendo ainda mais as sinapses necessárias para estimular o seu progresso no processo de alfabetização e, posteriormente, na leitura fluente.
Podemos usar essas experiências para facilitar conversas mais livres e espontâneas com as crianças, fazendo perguntas que permitam que as crianças expliquem suas ideias e o que elas entendem sobre o mundo. Apesar de que ao ar livre seja o melhor momento para se envolver nessa atividade, essas mesmas técnicas podem ser aplicadas no dia a dia, durante as tarefas diárias em casa, como, por exemplo, durante as refeições, na hora do banho, ao escovar os dentes etc. Estes momentos também são ótimas ocasiões para introduzir e explicar novos vocabulários.
Então, segue algumas técnicas para facilitar os diálogos livres com as crianças:
1. Se possível, fique no nível da criança.
2. Ouça com atenção e responda ao que a criança tem a dizer.
3. Reveze com a criança na hora de falar.
4. Faça perguntas sobre o que a criança está falando, fazendo ou observando.
5. Espere a criança responder as suas perguntas.
6. Acrescente mais elementos a linguagem da criança. Exemplo, se a criança disser “prato”, você pode dizer: “Ah, claro, você está se referindo ao prato branco que está na prateleira.”
7. Incentive a criança a explicar seus pensamentos utilizando perguntas como “por que”, “como” e “o que você acha”.
3. Jogos de linguagem.
Os jogos de linguagem ajudam as crianças a desenvolverem o que chamamos de consciência fonológica, ou seja, grosso modo, a criança vai começar a perceber que o que falamos é formado por sons e que podemos manipular esses sons da nossa fala. Sendo assim, ao praticar atividades desse tipo as crianças fortalecem essa consciência através de suas interações e, também, por uma maior compreensão da linguagem.
Dito de outro modo, os jogos de linguagem ajudam a criança a prestar atenção aos diferentes sons e suas relações com frases, sílabas e palavras. Essas atividades podem ser espontâneas, breve e divertidas. É necessário ter em mente que sua finalidade deve ser clara, ou seja, deve levar as crianças a manipularem os sons para alcançarem a consciência da estrutura sonora da nossa língua. Pode não parecer, mas apesar disso, elas são simples como cantarolar. Segue algumas ideias para jogos de linguagem:
1. Espião ou caça ao tesouro: peça para a criança identificar um objeto do ambiente, dizendo: “O espião deve achar alguma coisa que comece com o som /A/” ou “Encontre alguma coisa na varanda que comece com o som /E/.” Essa atividade exige que a criança associe o som da letra do início da palavra correspondente ao nome do objeto, reforçando a consciência fonológica e a compreensão dos sons das letras.
2. Jogos de Rimas: conduza a criança em uma brincadeira de rimas, exemplo: “Eu conheço uma palavra que rima com gato, é rato. Agora é a sua vez, diga uma palavra que rima com rato.” Rimar é uma habilidade primordial de consciência fonológica, pois exige que a criança preste atenção nos sons do final das palavras. Essa atenção aos sons que compõem as partes das palavras ajuda a criança a segmentar a fala, esta habilidade vai dar suporte para a criança iniciar a decodificação.
3. Cante parlendas e músicas de roda: As parlendas e músicas de roda são preciosidades da nossa cultura popular, elas fizeram parte da primeira infância de muitas gerações. Além dessa bagagem cultural são excelentes para promover o desenvolvimento da linguagem através da repetição, segmentação da fala, rimas e aliterações. Cantar ajuda a criança a desenvolver o seu vocabulário, o conhecimento de novas histórias e contextos, além de ser divertido e culturalmente rico em costumes tradicionais.
Estes foram os 3 tipos de atividades para você começar a alfabetizar crianças pequenas, portanto, se você ainda tem alguma dúvida se é possível ou se é capaz de começar a alfabetizar crianças pequenas, acredito que sim. É totalmente possível e você é completamente capaz. A única coisa que é preciso considerar é o modo de fazer isso.
A forma de ensinar é importante e altera os resultados, a prática pedagógica empregada no ensino de crianças pequenas influencia no desempenho delas e, não só isso, influencia até na sua formação afetiva. O jeito que você instrui uma criança pode alterar o seu gosto ou suas preferencias pelos estudos.
Existem várias competências e habilidades que as crianças precisam desenvolver para terem um bom desempenho em leitura e escrita, e o melhor período para desenvolvê-las é na primeira infância, dos 0 aos 6 anos, pois é este o período de maior plasticidade cerebral, onde o estímulo adequado para o aprendizado estabelece as bases para aprendizados futuros. O que é feito nesse período reflete pelo resto da vida dos indivíduos.
Sendo assim, os 3 tipos de atividades que você já pode começar a aplicar com suas crianças são: 1º Leitura partilhada, 2º Diálogos livres e espontâneos e 3º Jogos de linguagem. Se você quer saber mais sobre como desenvolver seus filhos desde pequenos com competências e habilidades adequadas e as práticas pedagógicas mais eficazes, clique aqui, e assista a uma apresentação do Método Alfabetização Diária onde detalhamos todo o passo a passo para você fazer isso na prática.
Até o próximo artigo.
Referências
1. Morin, A. How kids develop thinking and learning skills. Understood.org. Dezembro de 2020.
2. Burns, M.S., Griffin, P., Snow, C.E. Starting out right. Washington, DC: National Academy Press. 1999.
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